Luta contra “teatro da produtividade” desafia lideranças
Em meio à busca incessante por produtividade, um novo risco se impõe nas rotinas corporativas: o da produtividade performática. É o que aponta uma pesquisa da Visier, empresa canadense especializada em people analytics. O estudo mostra que 43% dos trabalhadores entrevistados gastam mais de 10 horas por semana em tarefas que têm o objetivo de mostrar como eles são produtivos — e não necessariamente entregar valor real.
A Visier chama esse fenômeno de productivity theater — ou, em português, “teatro da produtividade”. Trata-se de um conjunto de comportamentos adotados por profissionais com o intuito de sinalizar que que estão ocupados e engajados, mesmo quando suas atividades não contribuem diretamente para os resultados da empresa. São exemplos disso: participar de reuniões desnecessárias, responder mensagens de forma imediata (mesmo quando não há urgência) e criar relatórios ou apresentações que não serão utilizados.
Para a especialista em desenvolvimento de lideranças Lívia Torquetti, esse comportamento não é sinal de má-fé, mas uma consequência direta da pressão por visibilidade nas empresas. “Quando as pessoas ficam muito sob pressão, elas reagem se dedicando às tarefas mais visíveis”, afirma. “As pessoas querem parecer produtivas para os pares delas, para os gestores, e a isso se chama de teatro da produtividade.”
Aparência não é resultado
Com mais de 15 anos de experiência na gestão de times em empresas nacionais e multinacionais, Lívia hoje se dedica à arquitetura de programas de aprendizagem e à formação de lideranças. Seu olhar é voltado à construção de ambientes que incentivem a performance de verdade, e não apenas a aparência de eficiência. “Neste cenário de aparências, não necessariamente você atua com o que é importante, mas sim com o que é visível. Parecer produtivo e ser produtivo de fato são coisas muito diferentes”, ela observa.
A pesquisa da Visier ajuda a dimensionar essa questão. O levantamento, feito com mil profissionais dos Estados Unidos, mostra que 83% dos entrevistados admitiram já ter praticado ao menos um dos comportamentos considerados performáticos. Os mais comuns são: responder mensagens rapidamente mesmo sem necessidade (42%), agendar e-mails para horários estratégicos (36%) e participar de reuniões irrelevantes (36%).
A motivação, segundo o estudo, está mais ligada à visibilidade e ao sucesso profissional do que ao medo do desemprego. Cerca de dois terços dos entrevistados disseram que esse tipo de comportamento é importante para sua trajetória na empresa. Outros 41% afirmaram querer parecer mais valiosos para o negócio, e 33% para seus gestores.
Esgotamento profissional e pessoal
Para Lívia, esse modelo de atuação responde a uma cobrança contraditória: ao mesmo tempo em que se espera um alto nível de entrega, também se exige equilíbrio emocional, saúde mental e engajamento contínuo. A consequência é o esgotamento. “Você já está performando o tempo todo — na vida social, nas redes sociais, no trabalho também. Cansa muito. Esgota a gente”, diz.
Mas a especialista propõe caminhos. Em vez de apenas reagir à dinâmica externa, ela defende que profissionais desenvolvam um crivo pessoal para identificar o que realmente importa. Tomar decisões com base no impacto do trabalho — e não apenas na percepção que ele pode gerar. “Uma dose saudável de sensatez: a pessoa parar e pensar de fato qual o impacto que ela quer gerar com seu trabalho, e não o impacto que isso terá na opinião das outras pessoas.”
Essa reflexão leva a uma pergunta fundamental, que muitas vezes passa despercebida no dia a dia corrido: para quem você faz esse trabalho? “Se a resposta for sempre voltada ao outro — ao gestor, ao time, à empresa —, talvez seja hora de reequilibrar a balança. É preciso que haja um senso de identificação com o que se faz”, afirma.
Liderança e propósito mudam o jogo
Para que isso aconteça, segundo Lívia, é essencial que as lideranças abandonem métricas superficiais, como o tempo de resposta, e passem a criar ambientes onde seja possível construir novos combinados de eficiência — pautados por clareza, confiança e propósito compartilhado. “As lideranças atuais precisam ter esse nível de sensibilidade, porque também precisam montar equipes que performem de verdade”, defende.
Isso inclui reconhecer que cada pessoa atua melhor quando encontra sentido no que faz. “Você não pode usar só o drive externo como o único direcionador da sua performance”, ela pontua. Ao promover espaços mais saudáveis de trabalho, com menos foco em aparência e mais em entrega de valor, empresas podem não só melhorar seus resultados, mas também cuidar melhor de quem os produz.
Para enfrentar o teatro da produtividade, Lívia defende que as empresas precisam repensar suas engrenagens culturais: o que se mede, o que se valoriza e o que se considera produtivo devem ser discutidos coletivamente. Mais do que combater sintomas, trata-se de construir ambientes onde a entrega de valor e o senso de propósito possam coexistir. “Significa entregar o controle do que você está fazendo não ao ambiente, mas a seu critério próprio e à sua liderança”, afirma.