Quem autorizou? o vazamento de imagens e o risco da justiça midiática
Imagens fortes da agressão sofrida por uma mulher em um condomínio viralizaram na internet. A violência choca, mas o vazamento também levanta uma questão jurídica delicada: quem pode divulgar essas imagens e até onde vai o direito à exposição em nome da justiça?
A cena foi chocante. Mas e o vazamento?
Em meio à onda de indignação pública gerada por mais um caso de violência contra a mulher, com fortes imagens de uma vítima ensanguentada nos corredores de um condomínio em Maceió, um novo debate ganha corpo: é legal divulgar essas imagens? Quem pode acessá-las? Por que estão nas redes sociais e não apenas nas mãos da polícia?
O caso envolvendo o advogado e influenciador João Neto, preso preventivamente por suspeita de agredir a companheira, expôs não apenas a brutalidade de um relacionamento abusivo, mas também fragilidades na gestão da segurança e da privacidade nos condomínios brasileiros.
Imagens de câmeras de segurança: provas ou espetáculo?
Gravações de câmeras internas de condomínios não são de domínio público. Elas são protegidas pela legislação e só podem ser acessadas ou divulgadas sob condições específicas:
- Por ordem judicial;
- Mediante requisição formal da autoridade policial;
- Quando há interesse direto do morador envolvido.
O advogado, Dr. Issei Yuki destaca: “Divulgar imagens de câmeras sem respaldo legal viola o direito à privacidade, à imagem e, em muitos casos, pode prejudicar as investigações. Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também se aplica, especialmente quando há identificação de vítimas em situação vulnerável.”
Mas e quando o crime é evidente? O que pesa mais: o sigilo ou a justiça?
Esse é o dilema central. Quando a violência é documentada por câmeras e o conteúdo impacta a sociedade, entra-se em uma zona cinzenta entre o interesse público e o respeito aos direitos individuais. O vazamento das imagens pode ajudar na pressão social por justiça, sim, mas também:
- Pode revitimizar quem sofreu a agressão;
- Pode expor indevidamente outras pessoas que estavam no local;
- Pode contaminar juridicamente o processo, abrindo margem para pedidos de nulidade ou desqualificação de provas.
No caso João Neto, a divulgação das imagens ocorreu antes mesmo de qualquer conclusão oficial da investigação, o que pode comprometer a imparcialidade do julgamento, sobretudo nas redes, onde linchamentos virtuais substituem o devido processo legal.
A responsabilidade do condomínio
O condomínio, nesse contexto, precisa agir com cautela e profundo senso de responsabilidade.
O que deve ser feito:
- Entregar as imagens apenas à polícia ou mediante ordem judicial;
- Manter cópias armazenadas com controle rígido de acesso;
- Treinar funcionários sobre o sigilo e o uso correto do sistema de monitoramento;
- Jamais permitir que moradores, funcionários ou síndicos compartilhem gravações sem respaldo legal.
“Se for identificado que um funcionário ou gestor do condomínio divulgou indevidamente as imagens, ele pode ser responsabilizado civil e criminalmente, inclusive com base na LGPD e no Código Penal (violação de segredo e exposição de imagem sem consentimento).”. explica o advogado Issei Yuki.
Quando o vazamento expõe mais do que a violência
Casos de agressão doméstica, são infelizmente comuns, mas nem sempre registrados por câmeras ou testemunhados por terceiros. Nesse sentido, as imagens têm força probatória, sim — e são cruciais para proteger a vítima. Mas isso deve ser feito com responsabilidade institucional e legal, não com posts virais e vídeos chocantes sem contexto.
O debate que se abre com esse episódio é urgente: como equilibrar a transparência necessária para denunciar abusos com o respeito às vítimas e aos trâmites legais? Até que ponto a internet deve participar de uma investigação? Quem deve ter acesso às imagens sensíveis de um crime?
O caso de João Neto deve ser investigado com o máximo rigor. Mas não podemos transformar o direito à justiça em um reality de horror. Se queremos combater a violência com seriedade, também precisamos combater a banalização da exposição pública.
Mais sobre Issei Yuki Júnior:
Yuki, Lourenço Sociedade de Advogados
Graduado em Direito pela Universidade São Francisco com especialização em Direito de Família e Sucessões, e mais de 25 anos de experiência como advogado nas áreas de Direito Civil e Processual Civil, Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito do Consumidor e Consultoria empresarial e societária.