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O silêncio atrás do distintivo: suicídio policial e a influência da Síndrome do Ethos do Guerreiro

Por Delegada Raquel Gallinati*

O aumento alarmante dos casos de suicídio entre os policiais é uma questão intrincada e multifatorial que está indissociavelmente ligada ao estresse inerente à profissão. A exposição contínua à violência, ao trauma e à pressão pode levar a um estado de estresse crônico, o qual pode desencadear condições como ansiedade e depressão.

Este problema também é potencializado por aspectos organizacionais como o assédio moral e sexual, alta rotatividade na força policial, políticas e regulamentos obscuros, ameaça de investigações disciplinares internas e pressões burocráticas. Outros fatores-chave são o déficit constante de policiais, o ritmo de trabalho exaustivo, a vigília incessante e horários de plantão irregulares. Esses elementos desestabilizam a rotina dos profissionais de segurança pública, tornando o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional um grande desafio.

Há registros de casos de suicídios entre policiais que foram transferidos de suas funções de preferência para tarefas indesejadas, ressaltando como a falta de motivação e satisfação profissional pode afetar o bem-estar mental do indivíduo. As frequentes alterações nas escalas de trabalho também podem resultar em dificuldades no cumprimento das tarefas, aumentando a insatisfação profissional. Muitos policiais precisam complementar a renda com trabalho extra nos dias de folga, acentuando os níveis de estresse e exaustão.

Tudo isso, quando combinado, pode aumentar significativamente a probabilidade de suicídio entre os policiais. É imprescindível também inserir na discussão a abordagem do assédio moral, já que a pressão por comportamento heroico caracterizado por coragem inabalável e não demonstração de fraquezas intensifica situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho.

Ao relacionar este cenário com a “Síndrome do Ethos do Guerreiro” nos permite analisar uma série de fatores. A “Síndrome do Ethos do Guerreiro” descreve a pressão cultural dentro das forças de segurança que promove um ideal de invencibilidade e infalibilidade, que não deve ser ignorado. Este ethos exige que policiais se destaquem, demonstrem coragem e valor inabaláveis, negando qualquer vulnerabilidade ou fraqueza. O resultado disso é a tendência dos policiais de mascarar quaisquer problemas de saúde mental para não parecerem fracos ou menos competentes entre seus pares está frequentemente associada a esse ethos do guerreiro. Por causa disso, os policiais geralmente são relutantes em buscar ajuda devido ao estigma da saúde mental, intensificando as taxas alarmantes de suicídio.

Frequentemente, esse ethos do guerreiro contribui para a estigmatização da saúde mental na polícia, o que pode estar desempenhando um papel significativo nas taxas alarmantes de suicídio. Policiais são expostos a altos níveis de estresse e trauma, e precisam de suporte adequado para lidar com as consequências disso em sua saúde mental.

Muitos policiais enfrentam barreiras significativas ao buscar assistência psicológica. Eles podem ser relutantes em admitir que estão lutando, por medo de do estigma associado à saúde mental, serem considerados incompetentes ou de sofrerem represálias. E, se buscam ajuda, podem se deparar com a falta de serviços de saúde mental adequados ou profissionais treinados em traumas específicos aos quais os policiais são expostos.

Promover uma cultura de cuidados com a saúde mental, onde policiais se sintam seguros para expressar suas dificuldades e buscar ajuda, pode ser um passo significativo na redução das taxas preocupantes de suicídio neste grupo.

É urgente desmantelarmos o estigma da saúde mental nas forças de segurança. A implementação de programas destinados à saúde mental dos policiais é uma necessidade, assim como a promoção de uma cultura que considere a busca por ajuda um ato de força, e não uma fraqueza.

* Raquel Gallinati é Delegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária e em Processo Penal; mestre em Filosofia; Diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil; e embaixadora do Projeto Mulheres no Tatame e Instituto Pró-Vítima.

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